Darcy Ribeiro e os delírios de um pseudo-ditador

Diorindo Lopes Júnior (*)
Estive lendo "Mestiço é que é bom", Editora Revan, uma conversa-entrevista do falecido antropólogo Darcy Ribeiro com Oscar Niemeyer, Zelito Viana, Ferreira Gullar, Eric Nepomuceno, Zuenir Ventura, Antônio Houaiss e Antônio Callado, esses dois últimos também falecidos.

Enquanto viveu, Darcy Ribeiro foi um dos mais notáveis, polêmicos e maravilhosos pensadores brasileiros. Sua maneira peculiar de enxergar, ler e contar o Brasil, o conduzem ao panteão dos mais importantes personagens da nossa História de 500 anos.

Sua biografia, desde estudante ainda em Minas, passando ao antropólogo sertanista, protetor e estudioso dos índios, educador brilhante, vice-governador do Rio, idealizador dos CIEPs, escritor de indispensável leitura para quem pretende compreender o Brasil, senador da República, mentor de universidades e projetos universitários, consultor de governos de outros países, namorado e amante de muitas e belas mulheres, entre outros predicados, já há muito o faz objeto de profundos estudos acadêmicos.

Neste "Mestiço é que é bom", Darcy faz um comentário sobre a importância da alfabetização do cidadão em seus primeiros anos de vida.

Dizia ele (com outras sábias palavras, não essas) que, até os dez anos de idade, as crianças têm de aprender ler, escrever, contar e fazer contas, inventar e contar histórias. Assim, a partir dos dez anos de idade o cidadão-mirim estará realmente pronto para enfrentar a vida, aprimorar-se nos estudos, compreender seu papel na sociedade, namorar, procurar um trabalho, discernir entre o certo e errado, raciocinar e formar juízos de valores, etc. Depois disso, dos dez anos, as dificuldades tornam-se cada vez mais enormes e mínimas as chances de sucesso.

Darcy pensava esta possibilidade, de a criança tornar-se cidadão com capacidade de discernimento aos dez anos, concretamente. Como dever de Estado, compromisso de Governo, e ainda mostrando alternativas de onde obter recursos para viabilizar o projeto, incluindo-se aí os investimentos necessários para a preparação dos educadores envolvidos, pagando-lhes também melhores salários.

Eu não acredito em coincidências, mas, muito antes de ter lido este pensamento de Darcy, de brincadeira eu costumava dizer entre meus amigos que no dia em que eu virasse ditador (civil!) do país, minha primeira providência seria determinar que todas as crianças entre cinco e dez anos, seriam orientadas de forma lúdica e prazerosa a ler, a escrever, a brincar com os números (para melhor compreendê-los e não tê-los como indecifráveis inimigos pelo resto da vida - como eu), e a sacanear com a História (para, também, melhor compreendê-la e, compreendendo-a, compreender a si mesmo e seu papel de cidadão), recebendo sempre noções de ética e de cidadania e aprendendo desde a mais tenra infância a conhecer os valores e a cultura de sua terra e de sua gente.

Depois, sim, os estudos próprios e necessários.

Em meio a esses meus delírios ditatoriais, uma outra providência seria propor a representantes de todas as crenças que dispusessem de um pequeno espaço em seus templos, para neles montar bibliotecas para a comunidade. O espírito de voluntariado é muito precioso e bastante praticado no Brasil, não duvido que em poucas semanas as paredes dessas bibliotecas estariam abarrotadas dos mais variados volumes. Afinal, quem é que não tem em casa uns cinco ou seis livros que nenhum membro da família mais lê e que podem muito bem servir a outras pessoas?

A Educação é um processo demorado, meticuloso, complicado, e a leitura é apenas um de seus instrumentos. Mas é certo que de vital importância. Principalmente porque é um hábito, ou vício, que a criança adquire ainda bem pequena (muito antes dos dez anos que penso como razoável, e Darcy Ribeiro acreditava como ideal), incapaz de perceber o quanto lhe será útil pelo resto de sua vida.

Um povo que lê, sabe defender-se, reivindicar seus direitos e também vigiar os governantes. Talvez por isso -- por contribuir para que todos os cidadãos pensem, raciocinem e reivindiquem -- o hábito de ler não conte com a devida atenção e estímulo de quem deveria garanti-lo como um direito de todos.

Como ditador, é certo que eu não me daria bem.

Meninas e meninos pensantes jamais se submeteriam à uma ditadura. Em menos de um ano, dariam um jeito de me apear do poder e, de imediato, convocar eleições livres e diretas.

Mas, só de pensar que, sem saber, sonhei sonhos parecidos aos que Darcy Ribeiro sonhou à sua maneira, e propalou aos quatro ventos, faz-me um bem enorme. Nem que, para realizá-los, eu tivesse de usar e abusar dos plenipotenciários poderes de uma asquerosa e nojenta ditadura.


Este Texto Editado Por:
Diorindo Lopes Júnior


Jornalista, trabalha na Assessoria de Imprensa do Banespa, em São Paulo, e é autor dos livros O Sol em Capricórnio (Atual/Saraiva Editora) e Cesta de 3 (Alis Editora), este indicado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil para compor sua lista anual de Livros Altamente Recomendáveis.
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